25/02/2018

.03

Depois de horas conversando com meu pai, por um minuto queria que ele estivesse comigo todos os dias, seriam dias mais fáceis com toda sua sabedoria. Decidimos ir à feira para comprar um bolo de chocolate e morango, sabia que era o preferido dela.
Adorava passar o tempo com meu pai, me lembro um dia de quando fomos pescar. “Ele colocou uma isca no meu anzol e me apoiou para frente, agitei a vara algumas vezes e ele me ensinou que deveria ficar quietinha e prender a respiração muitas das vezes, eu sorri e fiquei ali parada até um peixe pequeno morder minha isca.
-Pai, olha peguei um peixe – falei o puxando.
- Muito bem parceira.
- Mas ele é muito pequeno, queria um grande – fiz biquinho.
Ele pousou a mão em meu ombro e abriu um sorriso largo – Filha, nem sempre vamos pegar o maior peixe do rio, mas o que vale é o esforço que você fez para pegar este.
Assenti e olhei de volta para aquele pequeno peixe. ”
Pegamos o bolo e voltamos para casa, olhei o relógio e já estava na hora de pegar o Michael. Peguei o celular e mandei mensagem para ele:
“Michael, estou indo para o aeroporto. ”
Guardei o celular e voltei para o carro. Dirigi até o aeroporto, abri um pouco a janela sentindo o vento tocar minhas bochechas, que agora estão, vermelhas, sinto o ar frio lá de fora e com um cheiro familiar e totalmente aconchegante. Meu celular vibrou e era o toque do Michael. Tateei o banco do carona até encontrar minha bolsa, puxei o celular e abri sua mensagem.
“ Não vejo a hora de te encontrar. ”
Um sorriso apareceu quase que imediatamente no meu rosto, meu coração pulou em meu peito e de repente eu me senti novamente uma adolescente apaixonada. Inspirei fundo para manter-me concentrada na estrada. As vezes penso o quanto Michael é perfeito para mim e o quanto ele cuida de mim. Ele consegue despertar o melhor de mim. Me lembro de uma vez que quando o vi, minhas pernas bambearam e quando ele chegou perto de mim mordi os lábios imaginando o quanto o beijo dele era perfeito.
Sorri ao me lembrar dele, mais uma vez. Me mantive concentrada na estrada, não demorou muito para eu estacionar o carro. Sai do carro, entrei no aeroporto, chequei o horário e vi que estava meia hora adiantada, respirei fundo e segui em direção a cafeteria do aeroporto.
Me acomodei em uma cadeira nada confortável, pedi um café tradicional. Peguei o celular, mas não havia nada. Olhei ao meu redor e vi um casal de idosos, parei para prestar atenção neles.
Os dois sentados um ao lado do outro, ele estava de mãos dadas com ela e acariciava delicadamente sua mão enrugada e ela com a cabeça apoiada em seu ombro, era visível que o amor nunca deixara de existir entre eles, de repete ela murmura alguma coisa que o faz abrir um sorriso cansado e amarelado, mas carregado de muito sentimento e ele em resposta beija o topo de sua cabeça a fazendo fechar os olhos e sentir aquele momento como se fosse a coisa mais importante da sua vida, que precisasse de toda sua atenção. Sorri diante a cena. Ela abre os olhos e me flagra a fitando, com um sorriso doce ela me cumprimenta e pisca o olho para mim. Abaixei a cabeça envergonhada, mas senti sua ternura e o quanto ela o amava.
Meu celular vibrou. Meu coração acelerou.
“Linda, me encontre no andar de cima? ”
“ Ok, estou subindo. ”
Dei uma última espiada no casal que me inspirara e eles estavam da mesma forma, juntinhos. Terminei meu café, paguei a conta e subi.
Quando chego no desembarque, meu coração quase parou ao vê-lo. Corro em sua direção e ele abre um sorriso caloroso. O abracei mais forte que pude.
- Estou começando a ver a falta que você faz quando fica longe – ele falou e eu abri um sorriso.
- Eu também senti sua falta.
- Tenho uma surpresa para você.
Me afastei e olhei em seus olhos, totalmente curiosa.
- Não vou te contar agora. – Ele riu e eu revirei os olhos.
- Você não vai fazer isso comigo.
- Anne, vamos começar a trabalhar a paciência em você?
- Isso não é hora, vamos me conte.
- Venha. – ele pegou minha mão e sua mala.
Me puxando pelo aeroporto ele me fez parar ao lado de um alto falante e bem no meio do terminal. Olhei para ele sem entender nada.
- Se não vai me contar, não me faça pagar mico. – falei ficando envergonhada com todos os olhares em nós.
- Você não queria saber? – ele piscou para mim e sorriu.
O alto falante, que antes estava mudo, começou a tocar uma música. Era Always do Bon Jovi. Meu coração parou, olhei desesperada para Michael, sabia que era ele. Senti meu rosto arder de vergonha.
Olhei ao redor, completamente atônita. Quando volto o olhar para ele, o mesmo simplesmente estava ajoelhado a minha frente. Senti minhas pernas bambearem e minha respiração falhar, ele estava sorrindo, provavelmente se divertindo com minhas reações.
- Anne, você quer namorar comigo oficialmente?
Sorri antes de responder com um balançar de cabeça, eu não conseguia falar. Ele se levantou e me abraçou, selou o momento com um beijo carinhoso e cheio de sentimento. “Parabéns” ouvi uma voz de um homem gritar no fundo e várias palmas. O abracei novamente enterrando meu rosto em seu pescoço e ele me agarrando pela cintura.
- Ainda bem que você aceitou, não sei o que faria se não aceitasse. – ele sussurrou para mim.
- Sempre diria sim para você. -  falei olhando para o anel de compromisso em meu dedo.
- Agora vamos.
Ele pegou novamente minha mão, agora sem muita pressa, e sua mala. Seguimos para o carro, ele assumiu a direção, minhas pernas ainda estavam bambas, não acredito no que tinha acabado de acontecer. Ele parou o aeroporto.
- Você está bem? – ele percebeu que eu só conseguia encarar o anel e não havia dito uma palavra desde que saímos do aeroporto. – Em que está pensando?
- Em você, em como fez para parar o aeroporto daquele jeito? Em por que minhas pernas não param de tremer. – ele riu. – Não ria, é sério.
- Primeiro, você sempre me disse que queria uma vida de princesa, e levei o final do semestre pensando em como faria para te pedir em namoro de uma forma nada comum. – Ele era incrível, eu sei. – E eu só combinei, primeiro com a aeromoça que levou a ideia para o piloto e ele conversou com a torre de transmissão do pouso e deu certo.
- Você sempre me surpreende.
- E você merece.
Ficamos em silencio, apenas curtindo o caminho de volta. A única voz dentro do carro era a do GPS, fora isso, eu estava revivendo cada detalhe do acontecimento e de repente senti um pouquinho do que aquele casal sentia, torci para durar minha vida inteira.
Um dia me falaram que quando você está perto de quem gosta, as vezes não precisa falar uma palavra sequer que só o motivo de ter a pessoa por perto parece ser o bastante e realmente isso é verdade.
Chegamos em casa, olho uma última vez o anel e depois Michael, que estava nervoso. Ri da situação.
- O que você está rindo?
- Da sua cara de tensão.
Ele revirou os olhos. Sai do carro e ele me acompanhou. Meu pai abriu a porta, Michael segurava minha mão e a dele estava gelada.
- Oi pai, este é Michael. Meu namorado.
- Prazer, rapaz. Eu sou o pai dela.
- Prazer senhor.
- Vamos entrar. – Meu pai falou ainda analisando todo movimento do meu, agora, namorado.
- Filha! Você chegou, como foi a viagem?
- Mãe eu só fui pegar meu namorado no aeroporto.
- Seu namorado? É Jake? – ela ajeitou os óculos.
- Não mãe, Jake é da época de infância, esse é Michael.
- Prazer Michael, eu sou Mary.
- Prazer, e feliz aniversário. – ele falou estendendo a mão para minha mãe que a pegou com delicadeza.
- Obrigado, mas meu aniversário é hoje? – ela olhou para meu pai confusa.
- Sim, querida. É hoje, feliz aniversário
- Oh! – ela levou a mão a boca. – Obrigado, querido.
Engoli as lagrimas que queriam se formar, já as espantando. Michael pegou no meu joelho apertando-o de leve, me dizendo que ele estava ali.
- Bom, eu vou subir com Michael e levar ele para se instalar no quarto de visita.
Eles assentiram sem falar uma palavra.
O puxei pela mão e subi para meu quarto, ele fechou a porta e eu sentei na cama com lagrimas nos olhos. Ele simplesmente me abraçou.
- É difícil para mim ver minha mãe desse jeito.
- Eu sei, Anne.
- Michael ela sempre foi tão festiva e tão animada com seu aniversário e hoje ela não se lembra dele. – Comecei a soluçar e um nó se formou em minha garganta.
Ele pegou meus ombros me fazendo encarar seus olhos negros.
- Anne, ela ainda é a mesma. Não mude os fatos por uma circunstância.
- Certo.
Decidi aceitar isso, era mais reconfortante do que encarar o fato dela ser a mesma, mas por causa da circunstância ela mudou. Pelo menos ela ainda era a minha mãe e se lembrava disso.

.02

Eu estava num lugar pequeno, era uma sala. O clima estava tenso e muitas pessoas ali juntas me faziam perder o ar, senti meu estomago revirar e minha cabeça gira. O que estava acontecendo? Que lugar era aquele?
Eu olhava desesperadamente para os lados e só encontrava rostos estranhos, aquilo me deixava cada vez mais inquieta, até que encontrei meu pai encostado na parede de tom pastel, que combinava muito com sua expressão gélida. Ele olhava algo fixamente a sua frente, seus olhos marejavam e senti um aperto no coração, não conseguia ver por causa das pessoas a minha frente. Me aproximei dele empurrando alguns corpos e dei de cara com uma enorme superfície de madeira, notei que outras pessoas também a encaravam.
Um nó se formou em minha garganta, não queria imaginar quem poderia estar ali. Meu pai encontrou meus olhos e sussurrou para mim “ ela estava esperando por você” e apontou para o caixão de madeira. Respirei fundo e dei mais alguns passos, quando espiei mais uma vez não consegui conter as lágrimas que formavam em meus olhos e sem pestanejar escorriam por todo meu rosto. Meu coração doeu e minha garganta parecia estar cada vez mais inchada a ponto de não permitir a passagem de ar para dentro do meu corpo. A única coisa que eu podia pensar era: minha mãe não. Meu pai segurou meus ombros na tentativa de me emitir um pouco de força, mas foi em vão.
- Pai! – Gritei em meio ao choro.
- Eu sei parceira. – Ele me abraçou.
- Ela não, pai. – O agarrei como se fosse a única pessoa que me restara no mundo inteiro.

Meu celular começou a tocar. Não sabia que o praguejava ou se o agradecia por me tirar daquele pesadelo aterrorizante. Tateei o criado mudo até encontrar o celular, era apenas o despertador avisando que hoje era aniversário da minha mãe. Que ironia, sono com minha mãe morta num caixão e hoje é aniversário dela. Abri os olhos afastando qualquer possibilidade de pensar em algo ruim e fui em direção ao banheiro, tomei um banho frio para me acordar por completo, vesti um short jeans e uma regata preta, coloquei meus chinelos e prendi o cabelo num rabo de cabelo. Desci pelas escadas e vi a cena que eu mais amava no mundo.
Meu pai sentado à mesa lendo seu jornal e minha mão fazendo café enquanto cantarolava “Hey Jude” dos Beatles, era sua canção favorita, por mais que eles viviam numa rotina eu amava aquilo, amava o fato da minha mãe cuidar do meu pai e de suas trocas de olhares. Eles estavam juntos a muitos anos e parecia que mesmo com todo esse tempo o amor e a amizade dos dois continuavam intensos como no início. Ainda me lembro da surpresa que meu fizera para minha mãe quando eles fizeram quarenta anos de casados, eles eram meu maior exemplo de casamento e tudo o que eu queria um dia.
Sorri para eles, mesmo sem os dois prestarem atenção em mim, e me aproximei da minha mãe.
- Bom dia! – A abracei por trás beijando seus cabelos.
- Bom dia, querida. – Ela sorriu de costas para mim, mas senti seu sorriso.
- Feliz aniversário, eu te amo.
Ela se virou para mim e me abraçou sorrindo.
- Obrigada, querida. Eu também te amo. – Ela falou. – Agora sente-se e tome seu café.
Assenti e me sentei ao lado do meu pai que olhou para mim sorridente, eu sabia que ele estaria planejando algo.
- Qual é o plano, pai? – Perguntei baixinho para ele.
- Depois te conto, parceira.
Pisquei para ele sorrindo. Peguei uma fatia de pão com manteiga e meu café com leite, agradeci aos céus e coloquei tudo para dentro. Depois de alguns minutos rindo sobre uma história que meu pai nos contou, era algo sobre ele e meu tio pagarem mico quando saíam.
- Pai, adoro essas histórias. – Eu falei rindo.
- Parceira, você iria adorar sair comigo e seu tio quando éramos mais jovens e paquerávamos as mulheres.
- Ah, pai. Não sei, não consigo imaginar você paquerando outras mulheres que não seja minha mãe.
- Querida, seu pai era o garanhão da cidade.
Ele riu orgulhoso.
- Mas encontrei você, Mary. – Ele a olhou com tanta ternura. – Você precisava ver sua mãe dançando, era tão linda.
- Pare, João. Estou ficando sem graça.
O mais incrível era como os dois continuavam tão jovens, minha mãe mesmo com o estágio inicial desta doença, ainda se lembrava de quando eles se conheceram e eu espero que ela nunca se esqueça disso e do amor dos dois.
- Bom, eu vou deixar os dois pombinhos sozinhos e vou fazer uma ligação.  – Minha mãe me olhou e assentiu. – Preciso resolver algumas coisas sobre a faculdade.
- Tudo bem, parceira. Depois passo no seu quarto para conversarmos. – Ele piscou para mim.
Apenas sorri e sai, fui para o jardim.
Eu adorava aquela época do ano e como o ar ficava tão gostoso. Por mais que meus pais me tratassem ainda como a menininha deles, não que eu não gostasse disso, afinal era o que eu precisava. Peguei meu celular e digitei o número de Michael.
- Alô – Ele atendeu com uma voz sonolenta.
- Acorda! – Falei rindo.
- Bom dia para você Anne!
- Bom dia. Como você está?
- Animado e com sono – Ele riu. – Vou sair daqui uma hora, antes do almoço estarei aí.
- Estou sentindo sua falta.
- Eu também, não vejo a hora de te abraçar. – Ele pausou – Você falou com seus pais que eu estou indo?
- Não, mas vou falar. E lembre-se de trazer o presente da minha mãe que está no meu apartamento.
- Ok, não vou esquecer.
- Te vejo em poucas horas.
- Até daqui a pouco, Anne.
- Tchau.
Desliguei. Eu adorava ouvir a voz dele. Michael era meu melhor amigo e ao mesmo tempo uma pessoa muito importante para mim. Começava a pensar em seu sorriso, em seu cabelo desgrenhado com o vento e com sua voz suave, como ele me fazia falta.
Sentei em meu balanço de infância e deixei o vento me envolver. Fechei os olhos e lembrei de seus lábios macios.
- Parceira? – Meu pai me chamou, me tirando dos meus pensamentos.
- Pai. – Pulei do balanço.
- Te atrapalho?
- Claro que não, eu só estava pensando.
- Posso saber em que?
- Ah. – Respirei fundo. – Estou preocupada com minha mãe, hoje tive um pesadelo com ela. – Olhei em seus olhos.
- Sei como é, eu também tenho pesadelos toda noite. – Notei uma expressão diferente em seu rosto, de tristeza. – Eu a amo tanto, não consigo suportar a ideia de não a ter por perto.
- Ah, pai – Me levantei o abracei forte. – Mamãe é forte, sabemos disso. -  Ele respirou aliviado.
- Mas, Anne.  – Ele se separou para me encarar. – Tem mais algo te incomodando.
Cocei a cabeça e olhei para o chão. Como podia ele me conhecer tanto assim?
- Tem um rapaz. – O olhei e ele estava me olhando com atenção. – Estamos nos conhecendo e está vindo para conhecer vocês.
- Anne, - Ele me fechou os olhos e voltou a me encarar. – Eu sabia que esse dia iria chegar, mas prometo não o esperar com a espingarda do seu avô apontada para ele. – Eu ri. – Só quero que ele seja bom o suficiente para você.
- Eu te amo, Pai.
- Eu também, filha.
- Mas, vamos falar sobre a festa surpresa da minha mãe.
Sentamos na grama e ficamos bolando tudo. Ligamos para minhas tias, suas sobrinhas. Viria todo mundo, inclusive Michael.